sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Entrevista com Mauricio Maia, especialista em cachaças

Olá,

Nossa sessão de entrevista com especialistas do mercado de bebidas continua hoje com Mauricio Maia, apreciador de cachaças e charutos há mais de 20 anos, desde de sua juventude nos canaviais, destilarias e alambiques da sua região natal, Pirassununga, em São Paulo.

É um autodidata, degustador ávido e curioso por natureza e possui catalogado mais de 300 marcas de cachaça de todas as regiões do país. Hoje é consultor para o mercado de cachaças além de possuir um site voltado para o tema www.ocachacier.com.br. Enfim, aproveitem! Um abraço.

Como se tornar um especialista em cachaças no Brasil? Que cursos ou passos devem ser feitos?

Infelizmente ainda não existe uma formação específica para um especialista em cachaças no Brasil. Ao contrário do vemos com o vinho, por exemplo, são raros os cursos e degustações de cachaças organizados hoje no país. Além disso, os poucos cursos encontrados hoje, focam mais os aspectos técnicos de produção e qualidade da bebida do que a arte da degustação e harmonização da cachaça dentro de uma linguagem “mais gastronômica”.

Portanto, que deseja se especializar tem que, em primeiro lugar, degustar bastante. Precisa ler muito, livros sobre o vinho, cerveja, destilados, química, agronomia, microbiologia, etc. Precisa ir visitar e conhecer produtores e alambiques e entender como cada um deles trabalha e pensa a cachaça. É uma formação contínua, com mais de vinte anos que estudo a cachaça ainda há muita coisa que preciso aprender.

Em sua opinião, qual o momento atual da cachaça no cotidiano brasileiro?

Ano após ano a cachaça vem conquistando mais espaço dentro dos lares e dos corações dos brasileiros. Porém, ainda temos muita resistência por pessoas que ainda consideram a cachaça uma bebida inferior. O mundo já se rendeu a cachaça, o brasileiro ainda não. Pelo menos não completamente. No mundo inteiro as pessoas tem orgulho da bebida nacional de seu país, veja o Pisco no Peru, a Tequila, o Rum, etc. O brasileiro, de forma geral, tem vergonha da cachaça.

Como a cachaça pode ser valorizada no preparo do drink brasileiro mais tradicional, a caipirinha?

Principalmente com a utilização de cachaças de boa qualidade. Não adianta ser tecnicamente perfeito, se ao preparar a caipirinha você não utilizar uma cachaça de primeira qualidade. Se utilizar uma aguardente de segunda, você terá uma caipirinha de segunda tecnicamente perfeita, mas de segunda. Entende?

Antigamente, a cachaça era vista como bebida de baixa qualidade e atualmente tem se tornado ícone de pureza e alto status. A que se deve essa mudança de pensamento?

Principalmente ao esforço dos produtores que ralam para fazer um produto de qualidade. Sabemos que não é fácil. O mercado é duro, a concorrência grande e os órgãos públicos não facilitam a vida de nenhum deles. Porém todos buscam hoje um padrão internacional para a cachaça, um padrão que seja reconhecido em todo o planeta, e esse padrão passa hoje pela qualidade e pela pureza da bebida. A questão de status, vejo mais como uma questão de marketing. De posicionamento de marca, pois há no mercado produtos de boa qualidade para todas as camadas sociais.

Como identificar uma cachaça de baixa e alta qualidade?

Devemos começar pela análise visual, a boa cachaça deve ser límpida e brilhante. Um bebida turva com suspensão leva a crer que houve algum tipo de contaminação. Sua cor deve ir do transparente a um âmbar suave para as envelhecidas.

Seu aroma deve ser agradável, frutado, com cheiro de cana e amadeirado para as envelhecidas. A presença do álcool jamais deve ser agressiva. Isso vale também para o sabor, que deve ser macio, um pouco picante e com um final adocicado quando há a presença da madeira (nas envelhecidas).

Qual a sua cachaça preferida atualmente?

Tenho tomado muito a Cachaça da Tulha Prata. Ela é envelhecida em tonéis de Jequitibá, que é uma madeira mais neutra e deixa a cachaça mais clara e suave.

Como é a sua relação com os bartenders e mixologistas do Brasil? Existe interesse por parte dos bartenders em conhecer todo o processo de produção da cachaça?

Existe sim. Sempre que converso com profissionais, noto que os bartenders e mixologistas tem um acarinho especial pela cachaça, porém apesar do interesse, ainda há pouca informação disponível e a inexistência de ações por parte dos produtores, que possam aproximar o profissional da bebida.

Existe alguma receita de drink que você aconselha a nós?

Outro dia fiz uma experiência onde preparei uma caipirinha e finalizei com um pouco de água de coco. Achei bem interessante.

Há uma previsão no mercado de que algumas bebidas como a cachaça, rum, soju e tequila tomarão uma boa fatia dos whiskies e vodkas. Você concorda? Como se preparar para esse momento?

A cachaça está em franca expansão. Seja no mercado interno ou internacionalmente. São fases que podemos acompanhar no mercado. Há mais ou menos 15 anos tivemos o “boom” da Tequila. Depois foi a vez do rum e mais recentemente das vodkas. Pela lista, a cachaça é a próxima. Porém ainda existem algumas medidas legais, referente ao reconhecimento da cachaça como bebida tipicamente brasileira junto aos órgãos de comercio dos Estados Unidos que estão prestes a serem aprovadas, e devem abrir as portas do mercado norte americano. Hoje a cachaça deve ser exportada para os EUA como “Brazilian Rum”, o que descaracteriza nossa bebida e a afasta de nossa identidade que é tão apreciada pelo público norte americano.

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