segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Controvérsias de uma Caipirinha

Eu sempre fiquei intrigado pelas lendas que rondam o mundo das bebidas. E não há sequer um momento em que as bebidas não se misturem com histórias, sobretudo a cachaça e a caipirinha.
É exatamente sobre a caipirinha a minha maior curiosidade e desafio.
Quantas e quantas vezes não fui orientado, alertado e incentivado a realizar um procedimento de tal maneira para preparar a receita. E quantas vezes não questionei o porquê dessa sequência sem obter uma resposta satisfatória.
Ao pesquisar profundamente a história da caipirinha (e não me peguem pra Cristo, cada um com a sua versão), pude compreender que a caipirinha foi uma mistura criada pelos moradores da região sudeste, antiga Capitania de São Vicente, entre o interior paulista e mineiro, e que na sua receita primária e extinta então desenvolvida para curar gripes e resfriados o alho era ingrediente essencial. (os jovens namorados agradecem)
Não me prenderei à sua data de criação, porém, registros em Portugal datados de 1554 de autoria de Sá Miranda e Gabriel Soares em 1584 na província de São Vicente já indicavam casas de "cozer mel". Nas mãos dos escravos e em busca de uma medicina um tanto mais aplicável surge esse remedinho capaz de curar as dores do corpo e da alma.
Se a história nos prova que para uma boa caipirinha precisamos de suco de limão, açúcar, gelo e cachaça, como tornar mais eficiente o motivo dessa receita?

COMO ESPREMER UM LIMÂO ADEQUADAMENTE

Primeiramente, me atenho à estrutura e composição do limão.
Sabendo que o limão é composto por um endocarpo complexo, formado por inúmeros gomos revestidos por uma fina camada de pectina e que cada gomo tem o formato de uma gota, com a ponta desta gota apontada diretamente para o centro do limão, iniciamos uma pesquisa em busca da melhor forma de se extrair o sumo do limão.
Encontramos dentro dos gomos de um limão, 99% do suco que um limão poderá nos ceder.
Esse mesmo gomo é uma bolsa protetora do sumo, e a pectina (gelatina natural das frutas), tem a função de manter o liquido concentrado, protegendo-0 de batidas ou cortes. Devemos espremer o gomo para que a ponta desta gota se solte e libere o seu suco.
Ora, se entendemos que o suco se encontra na base, a ponta do gomo é a primeira a abrir e todos os gomos estão virados exatamente com a ponta voltada para o centro, temos uma resposta lógica! Devemos espremer o limão a partir da base para a gota, em outras palavras, de uma região da casca para a o centro.

COMO CORTAR UM LIMÃO ADEQUADAMENTE

Essa resposta me leva a uma pergunta tão importante quanto. Como esse limão deve ser cortado então?
Acredito que ele deva ser cortado em duas metades, desconsiderando as pontas que pressionam o centro do limão, retirado o miolo (columela) para obter maior rendimento do suco e não para não amargar, como vou demonstrar, e macerado com grande pressão e foco no centro do limão aplicado poucas vezes.
O limão tenderá a se abrir em flor, ao avesso, com todos os gomos, desde os primeiros em contato com a casca até os últimos no centro, iniciando uma reação em cadeia.
Não acredito que através de fatias (técnica antiga, que reaproveita o limão dos refrigerantes para caipirinha), nem os cubos, se consiga maior concentração e extração de sumo do que através das duas metades.

RETIRAR OU NÃO O MIOLO(COLUMELA) DO LIMÃO

A questão não é retirar ou não, mas sim porquê retiro ou porquê mantenho o miolo.
Estudando um pouco morfologicamente o limão e a columela descobri que ela nada mais é do que um conglomerado de pectina que estruturados no centro do fruto tem a função de trazer o equilibrio e criar um ponto de referência para que o limão possa crescer em volta.
Porém, apenas aproximadamente 35% da pectina total do limão se encontra na columela(miolo), o restante dos 65% de pectina se encontram no endocarpo, epicarpo e mesocarpo do limão. Retiramos aproximadamente 1/3 de massa amarga de todo o limão.
Eu escolho retirar a columela sim, porém porque acredito que caso ela não fosse retirada, não haveria um ponto de fuga para os gomos serem espremidos, mas não porque a columela é a culpada pelo amargor da minha caipirinha. Verifiquemos primeiro quanto tempo esse limão ficou aberto, oxidando, antes de culparmos os outros.
Não havendo qualquer informação histórica, técnica ou científica que se oponha é função da mixologia moderna definir os novos rumos da coquetelaria apoiado sempre nos conceitos de resgate do motivo principal de cada receita e a releitura de seus reais interesses.


Será possível que um mito completamente enraizado em nossa cultura não passe de um mero descuido do acaso?

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